O mundo que queremos no pós-coronavírus
Por Rogério Magri e José Raimundo Oliveira
Não temos dúvidas de que não seremos os mesmos depois dessa onda epidêmico-viral que se espalhou com extrema rapidez pelo globo terrestre. E nem entramos aqui nos aspectos das relações sociais, ou dos valores éticos e morais intrínsecos ao capitalismo. Mudanças estão acontecendo e outras virão depois da pandemia.
Porém, em que pese o modelo econômico neoliberal ter sido colocado em xeque, pois mostrou toda a sua fragilidade diante da coronacrise, diversas atividades estatais que haviam sido privatizadas sob o disfarce de concessão estão por necessidade sendo retomadas sob a égide do Estado.
Não significa, pois, que os defensores do mercado, principalmente o sistema financeiro, aceitem de bom grado essas mudanças em caráter permanente exceto aquelas que são do seu interesse. Elas se dão e se darão no âmbito da luta de classes e a correlação de forças será, neste como em outros casos, o fator determinante com vistas apontar qual será o rumo que essas mudanças irão tomar.
Todavia, se quisermos exercer algum protagonismo nesse processo será preciso muita luta e, para tanto, caberá aos movimentos sociais - com destaque ao sindicalismo – ter a devida clareza no sentido de fazê-lo convergir para o nosso lado por meio de um projeto político próprio. Inclusive com vistas a revogar medidas que, no Brasil, ferem gravemente os direitos e que, em função da pandemia provocada pelo coronavírus, algumas dessas foram apenas amenizadas, porém não rescindidas, e outras inseridas com consequências catastróficas para a classe trabalhadora.
Ressalte-se, entretanto, que o segmento patronal, aproveitando-se da crise instalada, vai querer perpetuar muitas dessas medidas tidas como emergenciais que são do seu interesse particular e não do conjunto da sociedade. Exemplo: as regras da Medida Provisória (MP) 936/2020 que precarizam ainda mais a vida dos trabalhadores estabelecendo a suspensão do contrato de trabalho com redução de salário em proporção extremamente injustas e impostas de forma individual, em vez da negociação coletiva, como determina o Artigo 7º, Inciso XXVI, da Constituição Federal. É uma forma de garantir a reprodução ampliada do capital (com a redução do valor da mão de obra) agora e após essa onda. Muitos dos aspectos inseridos na dita MP e previstos para durar dois meses poderão permanecer, bem como a ajuda financeira às grandes empresas, com destaque aos bancos.
Por outro lado, torna-se fundamental lutar pela completa reestatização de serviços essenciais, como, por exemplo, a saúde pública que caminha para o completo sucateamento e, em consequência, a sua privatização.
Todavia, diante da gravidade gerada pelo coronavírus, economistas e governos reconhecidamente neoliberais, defensores do estado mínimo, tiveram que retroceder em diversos aspectos. Em países como os Estados Unidos, França e Itália, deu-se um verdadeiro cavalo-de-pau de 180 graus. Pois nessas horas, como em outras passadas, os problemas somente se resolvem com o Estado à frente do processo.
Acreditar que por si as coisas mudarão não passa de um terrível engano. Os que possuem dinheiro e vêm ganhando com o desmonte do Estado e a precarização da força de trabalho não vão de modo algum querer abrir mão disso. Somente a luta organizada e, dependendo da situação, radicalizada, (sem peleguismo) fará a diferença.
Como disse alguém entendido no assunto, duas questões fundamentais o coronavírus escancarou: 1) quem de fato gera riqueza não sãos as maquinas, as tecnologias (informática, robótica, etc.), mas a força de trabalho; 2) o capital não vive sem o Estado.
Os endinheirados têm procurado de todas as maneiras negar aos trabalhadores o acesso ao Estado, vez que, apropriando-se politicamente do controle da máquina pública, agem visando desmontar direitos fundamentais (incluindo o aparato social protetivo essencial para assegurar cidadania aos que produzem a riqueza), além de atuar objetivando atrair para si parcelas cada vez maiores do Orçamento público. Esse tipo de apropriação é hoje, aqui e em boa parte do mundo, a principal fonte de enriquecimento dos já muito ricos.
Ainda que esteja demonstrado que o modelo econômico neoliberal fracassou ele não desaparecerá por si. Sendo uma minoria a parcela detentora do capital, a tendência é concentrar cada vez mais a riqueza em poucas mãos gerando desigualdade e, consequentemente, mais exploração e miséria. Damos ainda como exemplo a crise financeira mundial de 2008. Achava-se naquele momento que o neoliberalismo estaria morto e não foi o que aconteceu. Após salvar empresas e bancos e estabelecer algum tipo de regulamentação ao capital financeiro, o que se viu foi o Estado mais uma vez se retirando das suas funções primordiais e o mercado (que não é de modo algum distributivista, solidário) reocupando parte do espaço que no momento da crise ele havia perdido.
Portanto, sem a luta organizada da classe trabalhadora e com um projeto sobre onde se pretende chegar, inclusive tendo nessa pauta a conquista do Estado, as coisas tenderão a piorar. Precisamos muito pensar sobre o que é preciso fazer. Até porque a história não perdoa os que se atrasam.
Antônio Rogério Magri - Consultor sindical
e ex-ministro do Trabalho e Previdência Social
e José Raimundo de Oliveira – Historiador, professor e ativista social